Tema que coloca em xeque a coerência entre discurso e ação no campo climático — a aprovação da perfuração de petróleo na região da Margem Equatorial, no Brasil, às vésperas da COP30. A licença foi concedida ao Petrobras, pelo Ibama, para perfurar a cerca de 160 km da costa paraense e aproximadamente 500 km da foz do Rio Amazonas — em uma área de altíssima sensibilidade ambiental.
A autorização saiu 20 dias antes da COP30, que será sediada em Belém, no Pará.
Isso levanta dúvidas sobre o “por que agora?” e quais mensagens são enviadas ao mundo. No debate preparatório da COP, a ministra do Meio Ambiente destacou que os subsídios aos combustíveis fósseis variam entre US$ 1,5 trilhão e US$ 7 trilhão, dependendo da metodologia. Os bastidores dessa decisão revelam tensão: enquanto se afirma liderança climática, ocorre uma liberação que aparenta contrariar esse posicionamento.
As contradições evidentes
Especialistas apontam que autorizar nova fronteira de petróleo justamente quando o mundo exige redução de combustíveis fósseis gera uma “contradição brutal”. O climatologista Carlos Nobre, por exemplo, alertou que, embora a produção só comece em sete a dez anos, a própria aprovação já compromete a narrativa. Ao mesmo tempo, a estatal e o órgão ambiental defendem que o processo passou por “rigoroso licenciamento” iniciado em 2014, com três audiências públicas, 65 reuniões técnicas e vistorias de resposta a emergências — mais de 400 profissionais envolvidos na avaliação pré-operacional. Mesmo assim, havia parecer técnico do Ibama, assinado por 29 especialistas, recomendando a negativa em razão do alto risco de “perda massiva de biodiversidade” em um ecossistema marinho pouco estudado.
Implicações para o Brasil e para o clima
Para o Brasil, que queria mostrar liderança na COP30, a decisão envia sinais mistos. Por um lado, reafirma a dependência estrutural de petróleo; por outro, fragiliza o discurso de transição energética justa. Globalmente, estamos diante de uma encruzilhada: se grandes reservas de combustíveis fósseis seguem sendo abertas, como alicerçar um futuro de baixo carbono? A mensagem para o mundo pode ser: “falamos em transição, mas seguimos explorando”.
O que está em jogo
A credibilidade internacional: para países negociadores, o Brasil demonstra que está na geopolítica dos fósseis, não apenas na utopia verde. O risco socioambiental: explorar em região de altíssima sensibilidade implica riscos reais para fauna, flora, comunidades tradicionais e para a conservação da biodiversidade. A coerência estratégica: sem um plano claro de como substituir receitas de petróleo ou como avançar significativamente nas renováveis, a decisão se torna menos plausível como “transição”. O legado da COP30: se o Brasil quer sair desse evento como protagonista climático, precisa demonstrar mais do que intenções — precisa demonstrar ação alinhada.
Nós estamos todos conectados — com o planeta, com o futuro, com as escolhas que fazemos hoje. Autorizar uma nova fronteira de petróleo quando o mundo exige justamente o oposto não é apenas uma decisão de governo: é uma escolha de sociedade. Se queremos liderar a transição para um mundo mais justo, mais verde, mais humano, então precisamos que nossas decisões reflitam isso, de ponta a ponta.
Porque não basta falar em mudança: precisamos ser a mudança.